segunda-feira, 30 de maio de 2011

Arte Satânica?

Escrito por Vítor V.

Rótulos, rótulos e mais rótulos. Eis o problema de sempre. Todos querem um Satanismo... Todos querem que sua banda favorita seja uma banda Satânica... Todos querem que o poema que escreveram numa noite de chuva seja um poema Satânico... Todos querem que sua prática sincretista religiosa também seja Satânica... Blá blá blá. Quando será que vamos deixar de lado esta necessidade tola de qualificar tudo como "satânico", quando estas coisas assim rotuladas pouco ou quase nada nos tem a dizer de fato sobre Satanismo?

E o que pensar então quando ouvimos "arte satânica"?!

Muita, mas muita calma nessa hora. Como dito por aqui certa vez, certas coisas que são naturalmente complexas não devem ser reduzidas a verbetes de Wikipedia, frases de efeito, uma citação deslocada ou outra de algum escritor popstar, ou ainda frases de subnick de MSN. Principalmente quando estamos a lidar com algo que simplesmente não possui qualquer definição absoluta. Pelo contrário, tentar entender o que é arte e o que não é é uma questão que acompanha o homem desde os gregos, e não vai ser agora com um parágrafo ou outro que vamos tratar de esgotá-la. O caminho nunca foi dizer que arte é X ou Y e não será agora que irei fazer isto.

Até poderia aqui, neste momento, valer-me das palavras de muitos outros grandes pensadores que se lançaram na questão... Mas seria em vão... Páginas e mais páginas de citações, referências bibliográficas, etc. etc. etc. Mas ora, pra cada uma destas que colocasse aqui, haveriam mais outras 20 sendo esquecidas... Assim sendo, não se trata agora de esclarecer o que é o fazer artístico. Entretanto, ainda que ignoremos se há de fato uma "natureza artística" daquilo que se diga ser uma "obra de arte satânica", podemos perfeitamente, e desta vez, entrando em um campo mais seguro de certezas, questionar sobre esta suposta qualidade de ser satânica.

Se dissemos que algo é Satanista, é preciso que nos perguntemos: o que é Satanismo? Ora, esta a gente sabe (ou se deveria saber), Satanismo é um sistema de idéias de caráter religioso. Quem duvidar disto, basta ver aqui meus argumentos para considerar o Satanismo uma religião... Mas, a despeito desta questão entre ser o Satanismo ou não uma religião (o que também é uma mera questão de rótulos, como podemos ver aqui), o que importa é que ele constitui-se como um conjunto fechado de princípios e valores que o definem enquanto Satanismo, ou seja, que lhe dão a unidade que possui, no sentido de ser uma coisa, e não outra. Desta forma, para algo ser chamado de Satânico, é preciso que esteja de alguma forma relacionado com estes princípios e valores, de modo a compartilhar esta unidade e justificar o rótulo.

É simples... Uma manifestação artística dita cristã, tem, necessariamente, para que se justifique tal rótulo, valer-se de temas, de figuras, conceitos, valores, enfim, de elementos que pertençam ao cristianismo. Parece óbvio, não? Mas como sempre falo, é justamente o óbvio o mais difícil das pessoas entenderem.

Pois, ora, como pode uma obra de "arte" dita Satânica ser assim chamada se não traz à tona nada pertencente ao Satanismo?

Entra em questão então o que viria a ser pertencente ou não ao Satanismo...

E aí o que vejo é que boa parte daquilo que é considerado satânico não passa de elementos puramente estéticos. Coisas das mais superficiais, ou o que gosto de chamar de manto negro do Satanismo. Este tal manto negro diz respeito à parte "externa" do Satanismo, aquela que se tem numa primeira vista. Excessiva crítica ao cristianismo, valorização da cor negra, do ódio justificado, da imagem dos demônios, da aparência "monstruosa" de Satan, das velas, pentagrama, enfim... Existe uma série de elementos não textuais que dão este "toque especial" ao Satanismo. Particularmente penso que tudo isto só contribui para que adolescentes sedentos por auto-afirmação (e muitas vezes adultos também...) se prendam a esta parte "teatral" que tem muito o que mostrar, mas pouco a dizer.

E é justamente este "manto negro" que vai ser percebido em pinturas, textos, músicas, e outras produções, e que vai justificar o rótulo de Satânico. Mas ora, será que isto basta?

O que tem de ser colocado em questão é: em primeiro lugar, estes elementos do "manto negro" são exclusivos do Satanismo? Em segundo lugar, ainda que sejam de fato unicamente pertencentes a ele, expressam ainda assim conceitos, valores, idéias e pensamentos verdadeiramente Satanistas?
 
Mas ora, quais então seriam estes elementos?

Anjos, demônios, personagens de mitologias, o próprio diabo cristão em si, baphomet, cruzes invertidas, predominância de cores negras, imagens que nos remetam a dor, à escuridão, cenários soturnos, ambiente noturno, melancolia, sangue, destruição, sombras; enfim, há uma lista enorme de tudo aquilo que poderíamos chamar de elementos constituintes de uma típica produção artística sendo rotulada como Satânica. Retoma-se então a pergunta: são estes exclusivos do Satanismo? É claro que não podemos fazer um catálogo de todas as imagens, figuras e símbolos e suas respectivas histórias, entretanto, neste pequeno conjunto de elementos que citei, fica claro que não há entre eles qualquer "originalidade satânica", ou seja, não se trata de produções essencialmente Satanistas. O que podemos dizer é que, ainda que não agrade a alguns, não há uma fonte de elementos considerada de forma primeira como Satanista, isto é, mantendo uma relação direta com o Satanismo enquanto religião. Desta forma, o que deve ser entendido é que o Satanismo se vale de elementos de narrativas, de determinadas escolas artísticas, de movimentos literários, e até os modifica à sua forma, de fato; mas se trata de uma apropriação, e não de uma forma nova, primeira, de "gerar elementos" "originalmente satanistas".

Entramos então no segundo ponto. Estes elementos são uma expressão do Satanismo? Isto é, apresentam eles elementos que fazem parte do sistema religioso de idéias que é o Satanismo? Tratam estas ditas obras de arte Satânica de valores, noções, princípios e dogmas do Satanismo? Ou será que estamos apenas a falar aqui de uma mera apropriação estética, superficial, exterior? É claro, e isto não pode ser deixado de lado, que a própria apropriação de elementos x, y e z ao invés de elementos a, b, c de alguma forma já expressam uma certa "identidade" Satanista. Mas ora, ficamos apenas no nível do visível, no nível do primeiro impacto, no nível da forma.

Buscando então produções que, mais do que utilizarem uma aparência não "originalmente" Satanista, também apresente um caráter de conteúdo de valores e idéias Satanistas, é que nos deparamos com uma situação, que, ao menos a meu ver, é muito clara: não há um quantitativo considerável de produções artísticas essencialmente Satanistas. Há sim a fortíssima rotulação, mas não a produção propriamente dita. Todos buscam desesperadamente taxar isto ou aquilo de Satânico, mas ninguém possui capacidade e/ou vontade de fazer um trabalho sério que vá além do visual, do externo, da forma; que traga também reflexões sobre o Satanismo enquanto um sistema de idéias! E ora, isto é mais que natural: se nem ao menos praticantes suficientes temos, que dirá "artistas" para produzirem algo com base no tema. Somos obrigados a ficar no nível da retórica, da dissertação, da argumentação; isto quando o temos.

Assim sendo, é fundamental refletirmos sobre o que de fato é Satanista e o que querem que seja Satanista. E não somente isto, os próprios Satanistas só têm a ganhar se for incentivada a produção, a reflexão, as leituras. Podemos atribuir a esta questão das produções artísticas os mesmos problemas com relação ao próprio Satanismo em si, no que diz respeito a seu desenvolvimento, reconhecimento, conhecimento; enfim, como já disse por sinal em outros momentos.

Vamos rotular menos e produzir mais. Eis o caminho. Muitas vezes o rótulo apenas satisfaz as necessidades superficiais de uma atitude pautada pela auto-afirmação, e são justamente estas necessidades que, uma vez satisfeitas, (devido à vastíssima gama de "coisas Satânicas" das mais diversas formas, cores e tamanhos) é que irão fomentar preconceitos, contribuir com a limitação do pensamento, enfim, fazer com que o indivíduo se sinta cada vez mais conivente com sua superficialidade. E enquanto isto, ninguém fala sobre Satanismo, ninguém debate sobre Satanismo, ninguém produz obras que tomem por temas elementos da religião Satanista. Ora, onde está então a tal arte Satânica?